vol.1
n. 05_ modos de subjetivação na cidade 
vol.1
n. 05 _ modos de subjetivação na cidade
 
vol.1
n.4 _ corpografias urbanas  
 
vol.1
n. 3 _ cidade como campo ampliado da arte 
 
vol.1
n. 02 _ cidades imateriais  
 
vol.1
n. 01 _ paisagens do corpo   
   
 

Mostra do Audiovisual Urbano.1
A Cidade e suas Paisagens Intraordinárias

De 23 a 30 de outubro de 2008

Sala Walter da Silveira – Biblioteca Pública do Estado - Rua General Labatut , 27, subsolo - Barris
Sessões a partir das 14h00 >> ver programação
Sessão especial CORPOCIDADE no dia 27 de outubro às 20h00.

Esta edição de re[dobra] entrevistou a curadora e coordenadora da 1ª Mostra do Audiovisual Urbano de Salvador, Silvana Olivieri [SO], abordando a cidade e o cinema das paisagens intraordinárias, como o campo das subjetividades incorporadas no cotidiano urbano. A mostra será gratuita e conta com 30 filmes, brasileiros e estrangeiros, curtas e longas-metragens relacionados à temática urbana, em sua grande maioria inéditos nos circuitos comerciais do país. 

A relação estabelecida entre corpo e tela, um cinema 'encarnado', aparece em tantos quadros quantos forem as possibilidades de vida, em todas as esferas do real e do imaginário.  Como pensar os conceitos de encarnado e ordinário nas produções cinematográficas, ficções e ou/ documentários inseridas na mostra de audiovisual urbano ?

[SO] O cineasta Jean Louis Comolli, num texto fundamental sobre as relações entre cidade e cinema - “A cidade filmada” - fala de certos filmes que mostram menos a cidade como um cenário visível onde se movimentam os corpos que como um cenário invisível levado nos corpos e implicado em seus movimentos, uma cidade “digerida pelos corpos dos seus, na espessura, nas dobras da carne que toma forma no corpo”. Essa cidade “encarnada” é, também, “intraordinária”: não conseguimos vê-la de fora ou à distância, apenas quando estamos por dentro, imersos na vida urbana cotidiana e no convívio sensível com seus habitantes. A 1a Mostra do Audiovisual Urbano quer abordar, através dos filmes selecionados, essa natureza “intraordinária” da cidade. Aqui cabe abrir um parêntese: logo depois de adotar o termo “intraordinário” como conceito da Mostra, descobri que o escritor Georges Perec usava “infra-ordinário” num sentido muito próximo, como aquilo que nos é mais habitual, comum e vulgar, e que, segundo ele, deveríamos observar e interrogar, uma vez que seria dali que se constituiria nossa vida, nosso corpo, nosso espaço. Michel de Certeau também está próximo quando chama a atenção para as práticas ordinárias microbianas dos habitantes e, indo um pouco mais longe, lembramos de Machado de Assis e seu interesse pelas “coisas miúdas” que escapam às “grandes vistas” - e que vão escapar também aos celerados, aos apressados, aos sem-tempo...por isso Jean Rouch ensinava que, no cinema, seria fundamental “saber esperar”. Aliando um olhar microscópico a uma atitude de espera, os filmes que vamos exibir mostram algumas paisagens e passagens desse mundo urbano intraordinário, opacidade presente na cidade mesmo sob as aparências mais luminosas.

Como se engendra a produção de subjetividades  na articulação entre cinema e corpocidade?  

[SO] O cinema, ou o meio audiovisual, é um poderoso produtor de subjetividade. Tudo o que passa na tela do cinema, passa na tela mental do espectador, e vai ressoar em seu corpo. Este não atravessa ou percorre a cidade como faz o do habitante; é antes a cidade  - suas paisagens, seus ambientes, suas personagens - que vem ao encontro do seu corpo, o atravessa, o percorre, o escava, e o arrasta consigo. Sem poder reagir – essa é a condição, o espectador se permite assediar, invadir, ser possuído por qualquer pessoa, freqüentar ambientes estranhos, viver as mais improváveis aventuras... E essa experiência, segundo Félix Guattari, não acontece sem deixar vestígios na nossa mentalidade e corporalidade, e também na subjetividade. Acredito que os filmes possam provocar, em maior ou menor grau, “abalos sísmicos” existenciais que alteram - minimamente que seja - as nossas composições de desejo, mobilizando uma parte desconhecida de nosso corpo ou mesmo um outro corpo até então ignorado, e possibilitando o surgimento de novas formas de perceber, de agir e de se relacionar na vida urbana.  

A Como se deu a relação  entre cinema e corpo urbano na reunião das produções da mostra de audiovisual urbano?

[SO] Uma das nossas maiores motivações ao propor a Mostra era investigar os movimentos dos corpos urbanos, sobretudo em relação ao tempo – afinal, não haveria nenhum outro meio melhor que o cinema, definido por André Bazin como a “arte do tempo”, para fazê-lo. Em sua grande maioria, esses filmes apresentam diferentes maneiras de viver e experienciar o tempo no meio urbano, mas que, de alguma forma, confrontam e colocam em questão ou crise o tempo homogeneizado hegemônico. São vivências e experiências que vêm se tornando mais escassas no cotidiano atual das grandes cidades, onde nos encontramos submetidos a um regime temporal cada vez mais acelerado e comprimido. Entre alguns exemplos, temos as situações de suspensão do tempo cronológico, regulador da rotina cotidiana, do trabalho – como as errâncias por Lisboa de um marinheiro desertor, em “Na cidade branca”; o fim de semana de alguns habitantes anônimos de Berlim, em “Gente no domingo”; as perambulações de uma garota por Amsterdam, em “Beppie”, e de um garoto por um vilarejo iraniano para entregar um caderno ao colega, em ”Onde fica a casa de meu amigo”. Vemos também a resistência de tempos heterogêneos não-hegemonizados – caso do tempo cotidiano dos pequenos comerciantes de uma rua parisiense em “Daguerreotypes”; dos habitantes de uma pequena cidade do interior da China em seus espaços públicos, em “Em público”; dos estrangeiros que vivem numa Amsterdam que se tornou estrangeira para o próprio cineasta, Johan Van Der Keuken, em “Amsterdam global village”; ou daqueles que se deslocam por São Paulo, em “Em trânsito”. Os imprevistos e as improvisações da convivência em uma temporalidade aberta estão presentes em “Acidente”, no qual Cao Guimarães capta os eventos ordinários que surgiam “acidentalmente” diante da câmera em 20 pequenas cidades de Minas Gerais, e em “Eu, um negro (Treichville)”, aventura filmada em Abidijan, capital da Costa do Marfim. E, por fim, percebemos os efeitos do tempo na vida dos habitantes e inscritos em seus corpos nos dois belíssimos filmes de Amos Gitai no vale Wadi em Israel, co-habitado por judeus e palestinos, filmados em intervalos de 10 anos.

Promoção: FUNCEB | IPAC | SECULT GOV. BAHIA
Realização: DIMAS - Diretoria de Artes Visuais e Multimeios
PPGAU-UFBA - Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo - UFBA
Curadoria e Coordenação: Silvana Lamenha Olivieri