vol.1
n. 05_ modos de subjetivação na cidade 
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n. 05 _ modos de subjetivação na cidade
 
vol.1
n.4 _ corpografias urbanas  
 
vol.1
n. 3 _ cidade como campo ampliado da arte 
 
vol.1
n. 02 _ cidades imateriais  
 
vol.1
n. 01 _ paisagens do corpo   
   
 

Passear é preciso... ou o ato de passear como
estratégia urbana de sobrevivência

por joubert arrais

As questões relacionadas ao cotidiano, ao modo de cada pessoa lidar com sua rotina diária, têm sido motor e combustível para discussões tanto acadêmicas como artísticas. Percebi isso melhor depois de participar do momento "Movimentos Lingüísticos", em agosto último, em Fortaleza (CE), como parte do projeto-proposta "Movimentos Improváveis", coordenado por Julio Lira que, logo mais abaixo, relata sua experiência afetiva na realização dessa iniciativa.

Percebi também, partindo de Michel De Certeau (1994), que "o ato de passear está para o sistema urbano como a enunciação está para a língua ou para enunciados preferidos". Logo, compreender o passeio enquanto espaço de enunciação pode ser uma boa estratégia de sobrevivência no contexto caótico da rotina e do excedente de expectativas que  atualmente vivemos nos grandes centros. 

De inicio, o deslocamento para a Praia de Iracema. Seguindo o pensamento de De Certeau, e segundo minha lógica de observador-participante (ou melhor, voyeur andarilho), o caminhar torna-se revelador de mapas urbanos, justamente pelos traços densos e leves deixados no espaço como também nas trajetórias do estar de lá pra cá e de cá pra lá. Na espera e quase desencontro (pois tive dificuldade de encontrar o local marcado), enfim encontrei a dita "Praça dos estressados", estranhamente, do lado de uma churrascaria bem na orla turística fortalezense.

Uma solidão que me fez atentar para as pessoas caminhando freneticamente, enunciações que moldavam espaços, ocupando estes com um jeito fitness de ser e estar, de uma desatenção ou negligência para o que está no seu entorno, no isolamento de ipodes, mp3's e mp4's, longe de propósitos mais complexos, quer sejam políticos ou comunitários. Aos poucos, os outros dois convidados foram chegando, junto Julio e Ayla (produtora dos encontros). Já mobilizados, de algum modo, no passeio que se iniciou já antes, no deslocamento individual de cada um, conversamos um pouco entre a gente - eu (dança), o físico George e o professor de literatura Miguel Leocádio.
Cada um, ao seu modo, reconheceu-se naquele breve caminhar, do ponto de encontro (a Praça dos Estressados) ao barzinho Joca, bem próximo daqui, depois de um andar pela areia fina de praia, que o vento trás e leva. Havia um certo estranhamento, confesso, de que aqueles "movimentos improváveis" também não eram tão habituais como imaginávamos, de ter de relacionar experiências individuais e profissionais às questões lúdicas – mas precisas – do ato de passear. Quer dizer, o olhar do físico para o professor de literatura, ou do dançarino para o físico, ou do próprio Julio, na função de mediador dos três, para a cidade outra que ali começava a se revelar. De onde vieram pontuais constatações:

Que, caminhando pela cidade, há prazer sim em observar os fenômenos naturais: de como um arco-íris acontece, de observar o movimento das ondas do mar como sistemas físicos de leis e emergências, de um olhar aparentemente determinista, mas que é contemplativo no sentido de uma relação ativa e passional com a cidade, na interação com a natureza também de faunas e floras que resiste(m) e insiste(m) nos concretos e ruas.

De um refletir com a cidade, a partir da lógica literária, que alimenta nosso imaginário com suas histórias reais-ficcionais, até mesmo no exercício simples de escolher um bom local para ler um livro, lendo-o e já fazendo relações com o que está em volta. Como os labirintos de (Jorge Luis) Borges, de mapearmos a cidade para refazer passeios e novamente aprender com nossas habituais trilhas urbanas...

Do dançar, que é corpo que dança em sua pura materialidade de estabilidades e instabilidades, de passos e coreografias cotidianas, resultantes de escolhas, potências e limites característicos da experiência de quem habita cidades reais e imaginárias. No sentido do passeio, um corpo que é resultante de acordos com o ambiente relacional que também dialoga, reorganiza o corpo em ação.

Pois, se é verdade, como disse De Certeau, que a ordem espacial se organiza no binômio possibilidades-proibições – quer dizer, de locais onde é permitido andar e outros onde somos impedidos de adentrar –, o ato de caminhar como passeio é, de fato, uma estratégia de sobrevivência no sentido de um fazer aparecer, de um exercício de atualização de possibilidades e de proibições. E ainda, de uma ação de deslocamento e de invenções de outros modos de habitar a cidade, cujas idas e vindas evidenciam um corpo citadino marcado pela força das circunstâncias, de variações e improvisações dos elementos espaciais, ora são privilegiados, ora mudados, ora deixados de lados.  
Para tanto, passear (pela cidade) é preciso...