[sessão temática 3]
   
 

Corpografias Urbanas

Fabiana Dultra Britto e Paola Berenstein Jacques

As comunicações selecionadas para esta Sessão Temática apresentam discussões e proposições que podem ser pensadas como diferentes desdobrabentos da idéia de que a cidade é percebida pelo corpo como conjunto de condições interativas e de que o corpo expressa a síntese dessa interação descrevendo, em sua corporalidade, o que nós denominamos corpografia urbana. Assim foi contituído aqui um precioso panorama das possibilidades de enfrentamento crítico e criativo das diferentes relações possíveis entre corpo e cidade.

Partindo da idéia de que a dinâmica urbana se estabelece pela experiência corporal dos habitantes na cidade, esta Sessão Temática propõe um redesenho das lógicas interpretativas da proposta desta espécie de cartografia configurada no corpo como registros corporais das experiências urbanas. Os trabalhos mostram propostas de se compreender tanto os espaços urbanos pelas experiências corporais de seus habitantes quanto a cidade como fenótipo extendido do corpo. Em analogia à proposta do biólogo Richard Dawkins de pensar a cultura como extensão fenotípica da natureza, sugerimos o mesmo sentido de continuidade para pensar a cidade como extensão fenotípica do corpo, ou seja, sua própria lógica de configuração manifestada no espaço urbano.

Para além das suas diferenças de enfoques e posturas, os trabalhos  foram agrupados, de acordo com a maneira que estes responderam à proposta formulada na ementa da Sessão Temática, em dois blocos temáticos : Fenótipos extendidos do corpo e incorporações. Ambiências e experiências corpográficas.

No primeiro bloco, reconhecemos três campos de preocupação no exercício de pensar as equações formuladas entre corpo e cidade: um que focaliza a corporalidade atuando na cidade, outro que observa a cidade incorporada em configurações artísticas, em particular de dança e performance, e outro que focaliza não os termos da equação mas a própria relação entre eles. Incluem-se, aqui, trabalhos que propõem a interferência artística no espaço público, seja como busca de resignificação de seu cotidiano, como na intervenção Chão nas Cidades de Andréa Maciel Garcia ou como crítica ao planejamento, valorizando os seus vazios urbanos e passivos ambientais, como na comunicação de Carlos Teixeira.

Num outro enfoque, a cidade aparece como fonte de inspiração coreográfica, como discutem os trabalhos Nós em rede: Informação, semiose, corpo e cidade de Maria Aparecida Moura e Graziela Andrade e Nefés-Dancing City Affects de Bianca Scliar Mancini. As primeiras descrevem o acompanhamento do processo de criação do coletivo de dança movasse, para o trabalho imagens deslocadas, enquanto Mancini analisa a obra de Pina Baush baseada na cidade de Istambul, para demonstrar que não se trata de representação nem reconstituição das cidades tematizadas mas sim de invenção e composição baseadas nos afetos.

Numa terceira via de abordagem, estão os trabalhos Livro Chocolate [ou] O Encontro entre Corpo e Cidade de Heloisa Neves e Sobre têxteis e subtextos de Cibele Alvares Gardin que focalizam não os termos (corpo e cidade) mas a própria relação que os envolve. Heloisa discorre sobre o “encontro” como momento exato do contato entre corpo e ambiente, baseando-se no conceito de percepção de Antônio Damasio e Francisco Varela. Gardin discute a noção de “superfície” a partir da análise da estampa de favela criada por Ronaldo Fraga para propor memória, arquitetura e movimento como abrigos do corpo.

No segundo bloco, reconhecemos interesses que se bifurcam entre experiências propriamente corpográficas e de instauração de ambiências ou situações criadas em espaço público, a partir das práticas corporais dos habitantes na cidade.

Incluem-se, aqui, a interveção artística Universo vos revi nu de Carla Melo, Jarbas Lopes, Katerina Dimitrova, que problematiza a distinção entre esfera pública e privada, expondo em público uma situação de proteção da intimidade e a comunicação Experimentos Gramíneos de Maicyra Leão, que trata o corpo como promotor de estranhamentos em espaço público, a partir de experiência de camuflagem do corpo na grama.

Discutindo ambiências estão os trabalhos Paisagens sonoras de futebol de Pedro Silva Marra, que defende a potência da escuta na compreensão das cidades, ratreando os índices sonoros de manifestação do futebol no centro de Belo Horizonte; e O Corpo Antropófago, de Mickael Peillet, que propõe a sobreposição de duas instâncias de um mesmo acontecimento - um jogo de futebol – que se instaura no mesmo lugar (espaço público) mas em tempos distintos da rotina urbana (noite e dia) e sob configurações distintas: evento vivido e evento filmado.

Nos trabalhos Por uma cidade que se move: corpo, rua e improviso de Júlia Aguiar e Corpo, cidade e cinema de Silvana Olivieri são as ambiências focalizadas pelas autoras – o camelódromo e o cinema, respectivamente – que conduzem a discussões referentes às corpografias urbanas. Aguiar, focalizando o princípio auto-organizativo para problematizar os camelódromos, a partir da noção de espontaneidade tratada na teoria da autopoiesis de Humberto Maturana. Olivieri, focalizando o redimensionamento da percepção espaço-temporal promovido pelo cinema para discutir experiências de tempo e espacialidade do corpo na cidade e destas no cinema, recorre a obras cinematográficas que exploram e tensionam as interfaces dessas três esferas: corpo, cidade e cinema.